Ele amava sua mulher. Viviam uma vida simples e pacata em
uma cidade interiorana com menos de quarenta mil habitantes. Casaram-se há
muito tempo atrás, quantos anos? Não sei e isso realmente não importa, pois o
amor não é linear ao tempo, pelo contrário.
Sua casa não era grande, mas era aconchegante com as paredes
externas amarelas e a madeira do telhado pintada de branco, combinando com a
porta, também de madeira e muito bem entalhada. Seu jardim era verdíssimo de
causar inveja nos andantes da calçada. A cerca de sua casa, muito bem lixada e
sem fiapos, era de uma cor clara que não sei o nome, mas que combinava com todo
o restante da casa, como que escolhida por um decorador.
Não possuíam um jardineiro, sua própria esposa, com suas
mãos leves e finas é quem ajeitava todo o adubo, aparava as folhagens e regava
toda a frente da casa, cuidando de cada planta em particular, como um médico
atende um paciente por vez. Esta mulher era muito dedicada ao lar, não
trabalhava fora, apenas cuidava da casa, do marido e dos filhos, tudo sozinha.
A moradia era muito limpa e muito bem organizada, raro encontrar algo fora do
lugar. Tapetes bordados por ela mesma eram espalhados pela casa iluminada por abajures
decorativos.
No almoço, o filho mais novo, a filha mais velha e o marido
de cabelo bem penteado e terno engomado sorriam enquanto apreciavam o risoto e
a carne assada. Assemelhavam-se a uma família de propaganda de margarina:
perfeitos. Quase perfeitos.
Noite chega. A prole dorme depois de tomar um leite quente
com cookies. A mãe os cobre com cobertores felpudos para protegê-los do frio
noturno, uma mãe sempre muito amável e prestativa.
O marido, sempre muito ocupado como gerente chefe da empresa
em que trabalhava, fazia hora extra naquele dia. Suas noitadas no serviço eram
frequentes, quase uma ou duas vezes por semana. A esposa parecia não se chatear
muito com isso e o marido a apreciava por não ser uma esposa chata. “Ela entende que faço isso para manter o
lar, eu a amo”, o marido pensava consigo mesmo sempre. Até queria passar
mais tempo em casa, era um piegas, muito romântico, até demais em alguns
momentos.
Era quase onze horas da noite e fazia frio lá fora, o vento soprava,
como que se fosse um despertador: hora de sair. A esposa de cabelos de fogo e
pele quente subiu para seu quarto, pisou descalça no chão aveludado por
carpetes vermelhos. Despiu seu vestido estilo dona de casa e colocou um
lingerie cara, preta e bordada, mostrando sua virilha clara. Entrou em outro
bem justo com decote largo. Colocou seu melhor colar, espirrou em seu pescoço o
perfume mais caro e passou seu batom cor de sangue. Usou uma escova e modelou o
cabelo com mousse. Escolheu seu tamanco
salto agulha com fivela cor de ouro. Estava pronta.
Ligou para o marido e perguntou se se demoraria com suas
papeladas do escritório, disse que sim, mais umas três horas e estaria em casa.
Ligou de novo, mas agora para outro homem, o que a estaria esperando duas
esquinas abaixo de sua casa em um carro de vidro escuro.
Uma dama da noite caminhava pela calçada sob as árvores
escuras. O toc-toc do tamanco chamava a atenção dos gatos pardos e seu perfume sobressaltava-se
aos das flores. Avistou o carro e abriu a porta, sorriu, outro sorriso como
resposta ao beijo curto que deram. Não queriam chamar atenção ali. A dona de
casa entrou no carro e sentou-se no banco camurça. “Onde vamos, querida?” Iriam para o adultério, iriam para a
lascívia e para a satisfação sexual, iriam para a cama!
O quarto do motel já estava alugado. Não era um quarto muito
caro, naquela noite nem escolheram um com hidromassagem: deixariam os mais
caros para comemorar seus aniversários. Aniversário de namoro, sim, namoro escondido,
namoro amante, namoro proibido.
O homem, também casado, era sedutor: peitos fortes saltados
no busto, peludo, braços fortes e grossos, veias aparecendo e mostrando que era
um esportista, pernas também grossas e peludas, abdômen definido e uma gota de
paixão escorrendo na testa. A roupa antes tão bem produzida e ajustada no corpo
da mulher agora era retirada e desmontada peça por peça pela mulher abrindo o zíper
de trás. Estava nua. Falavam pouco, queriam prazer, queriam mergulhar no pecado
e se lambuzar no desejo oculto.
Como que mergulhando em uma piscina, a mulher, agora nua,
trançando as pernas, pulou no homem que a agarrou e a beijou, dançando as mãos
em suas nádegas, coxas e costa. Atritavam-se vigorosamente. Dividiam seus
corpos e sua alma. O líquido do pecado escorria e os banhava em amor, amor
sexual, amor efêmero, amor eterno de uma noite, mas eterno.
Ela era perfeita. A mulher que lavava, a mulher que passava,
a mulher que jardinava, a mulher que cozinhava bem e que fazia leite quente
para os filhos enquanto esperava seu marido chegar do trabalho, a mulher
perfeita. Todos a invejavam, mas não sabiam que a noite, se tornava outra
mulher, também perfeita, mas para seu amante.
Era a vizinha perfeita, também sempre foi a filha perfeita. Seus filhos a amavam e seu marido não a
largaria por nada, afinal, era esposa perfeita.
Apolo Pensador - Dayvid Fernandes