quinta-feira, 18 de julho de 2013

A mulher perfeita


Ele amava sua mulher. Viviam uma vida simples e pacata em uma cidade interiorana com menos de quarenta mil habitantes. Casaram-se há muito tempo atrás, quantos anos? Não sei e isso realmente não importa, pois o amor não é linear ao tempo, pelo contrário.
Sua casa não era grande, mas era aconchegante com as paredes externas amarelas e a madeira do telhado pintada de branco, combinando com a porta, também de madeira e muito bem entalhada. Seu jardim era verdíssimo de causar inveja nos andantes da calçada. A cerca de sua casa, muito bem lixada e sem fiapos, era de uma cor clara que não sei o nome, mas que combinava com todo o restante da casa, como que escolhida por um decorador.
Não possuíam um jardineiro, sua própria esposa, com suas mãos leves e finas é quem ajeitava todo o adubo, aparava as folhagens e regava toda a frente da casa, cuidando de cada planta em particular, como um médico atende um paciente por vez. Esta mulher era muito dedicada ao lar, não trabalhava fora, apenas cuidava da casa, do marido e dos filhos, tudo sozinha. A moradia era muito limpa e muito bem organizada, raro encontrar algo fora do lugar. Tapetes bordados por ela mesma eram espalhados pela casa iluminada por abajures decorativos.
No almoço, o filho mais novo, a filha mais velha e o marido de cabelo bem penteado e terno engomado sorriam enquanto apreciavam o risoto e a carne assada. Assemelhavam-se a uma família de propaganda de margarina: perfeitos. Quase perfeitos.
Noite chega. A prole dorme depois de tomar um leite quente com cookies. A mãe os cobre com cobertores felpudos para protegê-los do frio noturno, uma mãe sempre muito amável e prestativa.
O marido, sempre muito ocupado como gerente chefe da empresa em que trabalhava, fazia hora extra naquele dia. Suas noitadas no serviço eram frequentes, quase uma ou duas vezes por semana. A esposa parecia não se chatear muito com isso e o marido a apreciava por não ser uma esposa chata. “Ela entende que faço isso para manter o lar, eu a amo”, o marido pensava consigo mesmo sempre. Até queria passar mais tempo em casa, era um piegas, muito romântico, até demais em alguns momentos.
Era quase onze horas da noite e fazia frio lá fora, o vento soprava, como que se fosse um despertador: hora de sair. A esposa de cabelos de fogo e pele quente subiu para seu quarto, pisou descalça no chão aveludado por carpetes vermelhos. Despiu seu vestido estilo dona de casa e colocou um lingerie cara, preta e bordada, mostrando sua virilha clara. Entrou em outro bem justo com decote largo. Colocou seu melhor colar, espirrou em seu pescoço o perfume mais caro e passou seu batom cor de sangue. Usou uma escova e modelou o cabelo com mousse.  Escolheu seu tamanco salto agulha com fivela cor de ouro. Estava pronta.
Ligou para o marido e perguntou se se demoraria com suas papeladas do escritório, disse que sim, mais umas três horas e estaria em casa. Ligou de novo, mas agora para outro homem, o que a estaria esperando duas esquinas abaixo de sua casa em um carro de vidro escuro.
Uma dama da noite caminhava pela calçada sob as árvores escuras. O toc-toc do tamanco chamava a atenção dos gatos pardos e seu perfume sobressaltava-se aos das flores. Avistou o carro e abriu a porta, sorriu, outro sorriso como resposta ao beijo curto que deram. Não queriam chamar atenção ali. A dona de casa entrou no carro e sentou-se no banco camurça. “Onde vamos, querida?” Iriam para o adultério, iriam para a lascívia e para a satisfação sexual, iriam para a cama!
O quarto do motel já estava alugado. Não era um quarto muito caro, naquela noite nem escolheram um com hidromassagem: deixariam os mais caros para comemorar seus aniversários. Aniversário de namoro, sim, namoro escondido, namoro amante, namoro proibido.
O homem, também casado, era sedutor: peitos fortes saltados no busto, peludo, braços fortes e grossos, veias aparecendo e mostrando que era um esportista, pernas também grossas e peludas, abdômen definido e uma gota de paixão escorrendo na testa. A roupa antes tão bem produzida e ajustada no corpo da mulher agora era retirada e desmontada peça por peça pela mulher abrindo o zíper de trás. Estava nua. Falavam pouco, queriam prazer, queriam mergulhar no pecado e se lambuzar no desejo oculto.
Como que mergulhando em uma piscina, a mulher, agora nua, trançando as pernas, pulou no homem que a agarrou e a beijou, dançando as mãos em suas nádegas, coxas e costa. Atritavam-se vigorosamente. Dividiam seus corpos e sua alma. O líquido do pecado escorria e os banhava em amor, amor sexual, amor efêmero, amor eterno de uma noite, mas eterno.

Ela era perfeita. A mulher que lavava, a mulher que passava, a mulher que jardinava, a mulher que cozinhava bem e que fazia leite quente para os filhos enquanto esperava seu marido chegar do trabalho, a mulher perfeita. Todos a invejavam, mas não sabiam que a noite, se tornava outra mulher, também perfeita, mas para seu amante.  Era a vizinha perfeita, também sempre foi a filha perfeita.  Seus filhos a amavam e seu marido não a largaria por nada, afinal, era esposa perfeita.

Apolo Pensador - Dayvid Fernandes




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